Exemplo a ser seguido

Direito de aprender

Três irmãs voltam juntas à sala de aula na Colônia de Pescadores Z-3 para, enfim, começarem a ler, escrever e calcular

Jô Folha -

O sol começa a se posicionar ao fundo da igreja Nossa Senhora dos Navegantes, no ponto mais alto da Colônia Z-3, quando as três irmãs, Vera Lúcia de Ávila Corvello, 57, Jurema de Ávila da Costa, 64, e Zilma de Ávila Carreiro, 63, caminham em direção à Escola Municipal Raphael Brusque. Dentro de uma sala de aula, os olhos fixos na professora de Educação Física Cátia Simone, que chega carregando petecas confeccionadas pela turma para a atividade do dia. Dentro da escola, elas aprendem a contar, dividir, multiplicar as palavras e o conhecimento é escrito nas linhas dos cadernos.

As três irmãs voltaram a estudar juntas neste ano, após a escola quase perder a oferta de uma turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA) para séries iniciais. Na rede municipal, cinco escolas deixaram de oferecer esta modalidade. Para manter a turma aberta, foi preciso mobilizar toda a comunidade. "Fizemos uma peregrinação, de porta em porta, chamando a comunidade para se matricular", conta o vice-diretor Vilson Rebello Junior. Com menos ofertas de turmas, de um total de 463 alunos matriculados no município em 2018, neste ano o número caiu para 370 matriculados, conforme dados repassados pela Secretaria Municipal de Educação e Desporto (Smed).

Nascidas em Santa Isabel, comunidade pesqueira em Arroio Grande, a família tinha mais de dez irmãos. Com o pai adoecido, sobreviviam com a ajuda de um tio. "Não tinha nem como comprar material pra todo mundo", relata Jurema. Desde cedo, as três irmãs trabalhavam com a pesca, fazendo e consertando redes. Anos depois, as três passaram a residir, com suas respectivas famílias, na Z-3. Jurema e Zilma casadas com pescadores e Vera com um agricultor. Hoje dentro da sala de aula, é evidente a alegria nos olhos das estudantes.

Educação como direito
"Quando eu venho pra aula, parece que eu estou revendo a infância. Aqui dentro eu nem sinto a minha idade, pareço uma guriazinha", brinca Jurema, a irmã mais velha. As três já sabem escrever os nomes e hoje a dificuldade são as contas. É unânime entre as três os benefícios de voltar a estudar. Ocupar a cabeça, como elas dizem, melhorou a memória e deu motivação para continuar aprendendo.

Dona Vera, a mais nova, precisou enfrentar resistência até dentro de casa. "Meu marido era contra. Ele me disse: 'pau que nasce torto, morre assim'. E eu disse 'não, senhor, eu vou voltar a estudar e vou aprender'", lembra. Hoje, antes de sair, precisa deixar a janta pronta para o marido.

Coordenadora de estágios em turmas de EJA, a professora Ligia Carlos, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), fala também da importância de socialização entre essas mulheres, que têm uma história de dificuldade no acesso à educação. "Muitas relatam que não puderam estudar porque precisavam cuidar dos filhos, e a gente percebe uma grande satisfação e elas têm direito à escola", afirma Ligia, ao tratar do processo de cidadania e do direito à educação conferido a estas pessoas.

O sonho de ter um diploma faz dona Vera ir longe em pensamentos. "É um sonho, e um dia eu vou conseguir", acredita ela, que diz gostar de todas as matérias. É a terceira vez que recomeça os estudos e a primeira vez que consegue se manter dentro da sala de aula. Para estudar, pegou cadernos do neto e retirou as folhas que já estavam preenchidas, para reaproveitar o material.

"Antes eu ficava em casa de noite vendo novela. A cabeça parece que enferruja. Hoje ela já está funcionando melhor", se autoavalia Jurema. Quando o assunto vai para a importância de estudar, e de a história ser um incentivo para outras mulheres nesta mesma situação voltarem para a escola, em poucas palavras elas resumem o sentimento: "Isso muda a vida da pessoa".

Mobilização para continuar ensinando
À escola, o comunicado feito pela Secretaria de Educação e Desporto (Smed) exigia um mínimo de dez matriculados para manter a turma aberta. Com o movimento feito pela coordenação e direção da Raphael Brusque, 20 pessoas se matricularam e 18 continuam frequentando diariamente a instituição para a modalidade séries iniciais, que ensina, por exemplo, as pessoas a escreverem seu próprio nome. "Se não tivesse dez, não valeria o investimento. É difícil porque é encarado como gasto", comenta o vice-diretor.

Na mobilização para formar uma turma, convidaram amigas. Esperando o ônibus para o centro, lembra Jurema, uma amiga disse que não conseguia escrever o nome. "Então vem junto comigo, vamos pra escola", disse na época. Hoje são colegas e aprendem junto diariamente.

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